quarta-feira, 23 de julho de 2008

Ser um cristão autêntico não está na moda

“Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos.”
II Timóteo 3:12

Jesus, os apóstolos, os primeiros cristãos, os pais da Igreja, os mártires, os reformadores, os missionários, os evangelistas, os avivalistas...é longa a lista, conquanto sejam poucos os qualificados a integrá-la. O que há de comum entre eles? O fato de que viveram ou vivem sob constante oposição, enfrentando tudo e todos os que não se conformam ao constatarem a maneira radical e extraordinária experimentada por tais pessoas em suas jornadas.
É notável que todo aquele que decidiu, em algum momento, consagrar totalmente sua vida a Cristo e ao seu chamado para uma obra especial nessa Terra enfrentou fortes barreiras. Sua fé foi posta em confronto. Sua família, ameaçada. Seu corpo, destruído.
Ser um cristão autêntico sempre foi sinônimo de ser tido por subversivo. Nunca houve um momento da história em que o mundo tenha aclamado aqueles que se levantaram para buscar uma vida extraordinária diante de Deus. Homens e mulheres de oração, cujos espíritos (de início, profundamente quebrantados) ligaram-se de tal forma ao Espírito de Deus que é impossível não perceber a unção e o poder de Deus atuarem por intermédio deles.
Pessoas que não se importam demasiadamente com a quantidade de pessoas que iam aos cultos ou às reuniões de oração, mas que viveram uma transformação tão intensa que simplesmente desejam a presença do Senhor mais do que qualquer outra coisa.
Incomoda verificar que ser “crente”, hoje, seja a última moda. O apelo publicitário e as múltiplas campanhas televisivas, bem como os cultos que mais parecem shows e espetáculos do que genuína contrição e adoração, fazem com que muitas pessoas assumam o rótulo de “evangélicas”, sem que, juntamente com tal confissão, apresentem um verdadeiro compromisso com Jesus e com o Evangelho integral.
É realmente impressionante a quantidade de pessoas que encontramos em situações extremamente constrangedoras, cujas vidas em nada diferem daquelas de pessoas assumidamente ímpias, a expressarem, com toda a vitalidade: “Eu também sou crente!”, deixando-nos boquiabertos em vez de felizes por estarmos diante de um irmão em Cristo.
É preciso redescobrir a simplicidade e a verdade do Evangelho. Um Evangelho puro, completo e eficaz, que abala o inferno e transtorna o mundo. Precisamos do Evangelho de Cristo, vivido por Paulo, Estevão, Pedro, João, Barnabé, Lutero, Calvino, David Brainerd, Jonathan Edwards, Charles Finney, Billy Graham, Irmão Yun...independentemente de ser conhecido pelos homens como esses chegaram a ser (por transformarem a realidade de incontáveis almas, e não por agradarem a todos) ou de se manter no santo anonimato, creia que seu nome pode estar nessa mesma lista – conhecido nos céus, temido no inferno, abençoado por Deus!

terça-feira, 24 de junho de 2008

sábado, 31 de maio de 2008

Salvação: Passada - Futura - Presente

Faz parte da vocação do cristão crer na doutrina certa, na doutrina verdadeira, na doutrina da Escritura. Mas não é bem a questão de afirmar a doutrina certa que é tão importante. Nem o é apenas o fato de que se tenha a capacidade de dar explicações graças ao talento, à personalidade ou à energia em termos de capacidade natural. O cristão não é chamado para simplesmente apresentar outra mensagem do mesmo modo como são apresentadas todas as demais mensagens. Temos de entender que não só é importante o que fazemos, mas também como o fazemos. No primeiro capítulo do livro de Atos, entre a ressurreição e a ascensão de Cristo, não é pregar o Evangelho que Ele manda, mas esperar pelo Espírito Santo e depois pregar o Evangelho. Pregar o Evangelho sem buscar o concurso do Espírito Santo é omitir completamente a ordem de Jesus Cristo para a nossa era. Na área das 'atividades cristãs' ou do 'serviço cristão', como realizamos nossas tarefas é pelo menos tão importante como aquilo que fazemos. O que quer que seja que não constitua demonstração de que Deus existe, falha, não atingindo o propósito global da vida cristã atual na terra. De acordo com a Bíblia, devemos levar uma vida sobrenatural agora, nesta presente existência, e de modo que jamais poderemos repetir através de toda a eternidade. Somos convocados para viver uma vida sobrenatural agora, pela fé. A eternidade será esplêndida, mas há uma coisa que o Céu não terá, e esta é a vocação, a possibilidade e o privilégio de viver uma vida sobrenatural aqui e agora pela fé, antes de vermos a Jesus face a face.

*Francis Schaeffer, em Verdadeira Espiritualidade

domingo, 4 de maio de 2008

Proposta de espiritualidade - Ricardo Gondim

Não é preciso muita perspicácia para perceber que o movimento evangélico ocidental passa por uma grande crise. As incursões do neo-fundamentalismo da direita religiosa na política estadunidense não ajudaram muito. Os reclames de que a sociedade preservasse "valores morais" caíram por terra porque não encontraram respaldo nas próprias igrejas, que se revezaram em escândalos. Para agravar a crise, grandes segmentos evangélicos se apressaram em legitimar a invasão do Iraque, argumentando que a Bíblia respaldava uma "guerra justa". Na América Latina, principalmente no Brasil, a rápida expansão do pentecostalismo produziu um grave desvio ético na compreensão do Evangelho. Apareceu um novo fenômeno religioso, mais comumente identificado como "teologia da prosperidade". O que se ouve como "pregação", pelos tele-evangelistas e nas mega-igrejas dificilmente poderia ser associado ao protestantismo histórico ou ao pentecostalismo clássico.
Como não há mais nenhuma novidade em afirmar que mudanças radicais precisam acontecer no movimento evangélico, a questão agora é perguntar: O que tem que mudar? Eis algumas propostas:
Proponho uma espiritualidade menos eficiente. Que os pastores desistam de associar a aprovação de Deus para seus ministérios com projetos bem sucedidos. A fé cristã não se propõe a refletir o mundo corporativo em que competência se prova com resultados. Na espiritualidade de Jesus, os atos de alguns servos de Deus podem ser anônimos, despercebidos e pequenos. A urgência das comunidades crescerem, de pastores provarem como Deus os abençoou com "ministérios aprovados" acabou produzindo essa excrescência: igrejas que mais se parecem com balcões de serviços religiosos do que com comunidades de fé.
Proponho uma espiritualidade menos cognitiva e mais vivenciada. A priorização da "reta doutrina" sobre a experiência da fé, acabou produzindo crentes argutos em "provar" a sua fé, mas bem frágeis no testemunho. A obsessão pela verdade como uma construção racional faz com que os catecismos se tornem belas elaborações conceituais, enquanto os testemunhos pessoais se mantém questionáveis. O evangelho precisa ser escrito em tábuas de carne; mostrar-se nos atos daqueles que se propõem a brilhar como luz do mundo.
Proponho uma espiritualidade menos mágica e mais responsável. A idéia de um Deus intervencionista que invade a todo instante a história para resgatar seus filhos, dando-lhes alívio, abrindo portas de emprego e resolvendo querelas jurídicas, acabou produzindo crentes alienados, sem responsabilidade histórica e sem iniciativa profética. Com esse comodismo, as igrejas se distanciaram da arena da vida. Acreditaram que bastaria amarrar os demônios territoriais para acabar com a violência e com a miséria. O Evangelho não propõe que a história seja transformada por encanto, mas com ações políticas que defendem a justiça.
Proponho uma espiritualidade menos intolerante. A idéia de um mundo perdidamente hostil a Deus gera igrejas intransigentes, que se enxergam privilegiadas. A radicalização da doutrina da queda faz com que se perceba o mundo condenado, irremediavelmente perdido. Com essa visão, a igreja se fecha, só encara o mundo como um campo de batalha, e é incapaz de acolher os moribundos que jazem nas margens das estradas. A espiritualidade evangélica precisa resgatar doutrinas conhecidas nos primeiros anos da Reforma, como a Imago Dei (a imagem de Deus em todos) e a Graça Comum (o favor de Deus capacitando a todos).
Proponho uma espiritualidade que promova a vida. Os evangélicos pregaram por anos a fio a salvação da alma e, muitas vezes, se esqueceram que Deus deseja que experimentemos vida abundante antes da morte. Aliás, o céu deveria ser uma conseqüência das escolhas que as pessoas fizerem na terra e não uma promessa distante. Com essa ênfase exagerada na salvação da alma, alguns se contentam com uma existência sofrível, mal resolvida, acreditando que um dia, no além, tudo ficará bem.
Proponho uma espiritualidade que não contemple a santidade como apuro legal, mas como integridade. Com cobranças legalistas, os ambientes se tornam exigentes. É inócuo estabelecer o alvo da vida cristã como uma perfeição exagerada, que para alcançá-la seria necessário transformar as pessoas em anjos. Hipocrisia nasce com esse tipo de exigência. É preciso dialogar com as imperfeições, com as sombras e luzes da alma; sem culpas e sem fobias. Só em ambientes assim, existe liberdade para amadurecer.
Proponho uma espiritualidade que estabeleça como objetivo, gerar homens e mulheres gentis, leais, misericordiosos. Antes de almejar aparecer como a instituição religiosa detentora da melhor compreensão da verdade, que procure amar com singeleza; antes de se tornar uma força política, que saiba caminhar entre os mais necessitados; antes de alcançar o mundo inteiro, que trabalhe ao lado dos constroem um mundo melhor.
Estou consciente que minhas propostas não têm muita chance de se realizarem, mas vou mantê-las como um horizonte utópico e vocação.
Soli Deo Gloria.

*Fonte: http://www.ricardogondim.com.br/

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Deus que se comunica


"Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que
foram criadas." Romanos 1:20
Bora-Bora, Tahiti. Agora tente imaginar o céu...

Sobre o aborto - excelente texto!

JULIÁN MARÍAS, filósofo falecido em 2005 e discípulo de Ortega y Gasset, um dos grandes filósofos do séc. XX.

A espinhosa questão do aborto voluntário que nos últimos anos adquiriu uma amplitude descomunal, até converter-se em uma das questões mais urgentes nas sociedades ocidentais, pode ser proposta de diversas maneiras. Entre os que consideram a inconveniência ou ilicitude do aborto, a posição mais freqüente é a religiosa. Sem dúvida que, para os cristãos (às vezes, de maneira mais estreita, para os católicos), o aborto pode ser ilícito mas não se pode impor a uma sociedade inteira uma moral “particular”. Quer dizer, os argumentos fundados na fé religiosa não são válidos para os não crentes.
Raramente se investiga se os argumentos assim propostos, ainda que procedendo de uma maneira cristã de ver a realidade, não têm força de convicção inclusive prescindindo dessa origem; o fato é que todos os que não participam dessa crença os repudiam e consideram que não lhes podem levar em conta. E os fatos devem ser considerados.
Há outra posição que pretende ter validade universal, que é a científica. As razões biológicas, concretamente genéticas, são tidas como demonstráveis, inteiramente fidedignas, conclusivas para todos. Certamente essas razões têm valor muito alto, e devem ser levadas em conta, mas suas provas não são acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admitem por fé (isto é, por fé na ciência, pela validade que ela tem no mundo atual).
Há outro fator que me parece mais grave a respeito da posição científica da questão: depende do estado atual da ciência biológica, dos resultados da mais recente e avançada investigação. Quero dizer que o que hoje se sabe, não se sabia antes. Os argumentos dos biólogos e geneticistas, válidos para o que conhece estas disciplinas e para os que participam da confiança nelas, não foram válidos para os homens e mulheres de outros tempos, inclusive muito recentemente.
Creio que faz falta uma posição elementar, ligada à mera condição humana, acessível a todos, independente de conhecimentos científicos ou teológicos que poucos possuem. É forçoso propor uma questão tão importante, de conseqüências práticas decisivas, que afeta a milhões de pessoas e à possibilidade de vida de milhões de crianças que nascerão ou deixarão de nascer, de uma maneira evidente, imediata, fundada no que todos vivem e entendem sem interposição de teorias (que às vezes impedem a visão direta e provocam desorientação).
Esta visão não pode ser outra senão a antropológica, fundada na mera realidade do homem tal como se vê, se vive, se compreende a si mesmo. Temos, pois, de tentar retroceder ao mais elementar, que não tem pressupostos de nenhuma ciência ou doutrina, que apela unicamente à evidência e não pede mais que uma coisa: abrir os olhos e não colocar-se de costas para a realidade.
Trata-se da distinção decisiva entre coisa e pessoa. Bem, dito assim pode parecer coisa de doutrina. Por verdadeira e justificável que seja, evitemo-la. Limetemo-nos a algo que faz parte de nossa vida mais elementar e espontânea: o uso da língua.
Todo mundo, em todas as línguas que conheço, distingue, sem a menor possibilidade de confusão, entre que e quem, algo e alguém, nada e ninguém. Se entro em uma casa onde não há nenhuma pessoa, direi: “não há ninguém”, mas não me ocorrerá dizer: “não há nada”, porque pode estar cheia de móveis, livros, lustres, quadros. Se se ouve um grande ruído estranho, me alarmarei e perguntarei: “O que é isso?”. Mas se ouço batidas na porta, nunca perguntarei “o que é?” mas sim “quem é?”. Apesar disso, a ciência e mesmo a filosofia estão há dois milênios e meio fazendo a pergunta: “Que é o homem?”, com a qual pelo menos derrubaram a estrutura de uma resposta errada, porque só de maneira muito secundária é o homem um “que”; a pergunta certa e pertinente seria: “Quem é o homem?”, ou, com mais rigor e adequação: “Quem sou eu?”.
Claro, “eu” ou “tu”, ou “ele” sempre que se entenda de maneira inequivocamente pessoal. É significativo que os pronomes de primeira e segunda pessoa (eu, tu) têm somente uma forma, sem distinção de gênero, enquanto que o da terceira pessoa admite essa distinção, e inclusive com dois gêneros (ele, ela). Quem fala e a quem se fala são realidades imediatas e pessoas, e seu gênero é evidente na ação mesma, mas não é assim quando se fala de alguém no presente (e, ademais, se pode falar de algo).
O que isso tem a ver com o aborto? O que me interessa aqui é ver o que é, em que consiste, qual é a sua realidade. O nascimento de uma criança é uma radical inovação de realidade: a aparição de uma realidade nova. Dirão talvez que não é propriamente nova, uma vez que se deriva ou vem de seus pais. Direi que é verdade e muito mais: dos pais, dos avós, de todos os antepassados; e também do oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, carbono, cálcio, fósforo e todos os demais elementos que intervêm na composição de seu organismo. O corpo, o psíquico, até o caráter vem daí e não é algo rigorosamente novo.
Diremos que o que a criança é se deriva de tudo isso que enumeramos, é reduzível a isso. É uma “coisa”, certamente animada e não inerte, diferente de todas as demais, em muitos sentidos única, mas uma coisa. Desse ponto de vista, sua destruição é irreparável, como quando se quebra uma peça que é exemplar único. Todavia, isso não é o importante.
O que é a criança pode “reduzir-se” a seus pais e ao mundo; mas a criança não é o que é. É alguém. Não um que, mas um quem, alguém a quem se diz tu, que dirá no momento certo, dentro de algum tempo, eu. E este quem é irreduzível a tudo e a todos, aos elementos químicos e a seus pais, e a Deus mesmo, se pensarmos nele. Ao dizer “eu”, enfrenta-se com todo o universo, contrapõe-se polarmente a tudo o que não é ele, a tudo o mais (incluindo, claro, o que é).
É um terceiro absolutamente novo, que se soma ao pai e à mãe. E é tão distinto do que é, que dois gêmeos univitelinos, biologicamente indiscerníveis e que podemos supor “idênticos”, são absolutamente distintos entre si e a cada um dos demais; são, sem a menor sombra de dúvida, “eu” e “tu”.
Quando se diz que o feto é “parte” do corpo da mãe, se diz uma grande falsidade, porque não é parte: está alojado nela, melhor ainda, implantado nela (nela e não meramente em seu corpo). Uma mulher dirá: “estou grávida”, nunca “meu corpo está grávido”. É um assunto pessoal por parte da mãe.
Ademais, e sobretudo, a questão não se reduz ao que, senão a esse quem, a esse terceiro que vem e que fará com que sejam três os que antes eram dois. Para que isto seja mais claro ainda, pensemos na morte. Quando alguém morre, nos deixa sós; éramos dois e agora não há mais que um. Inversamente, quando alguém nasce, há três em vez de dois (ou, se for o caso, dois em vez de um).
Isto é o que se vive de maneira imediata, o que se impõe à evidência sem teorias, o que refletem os usos da linguagem. Uma mulher diz: “vou ter um filho”; não diz: “tenho um tumor”. (Quando uma mulher acredita estar grávida e verifica que o que tem é um tumor, sua surpresa é tal que mostra até que ponto se trata de realidades radicalmente diferentes).
A criança não nascida ainda é uma realidade vindoura, que chegará se não a pararmos, se não a matarmos no caminho. Mas se investigarmos bem as coisas, isso não é exclusivo da criança antes do nascimento: o homem é sempre uma realidade vindoura, que vai se fazendo e realizando, alguém sempre inconcluso, um projeto inacabado, um argumento que tende a uma solução.
E se dissermos que o feto não é um “quem” porque não tem uma vida “pessoal”, então teríamos que dizer o mesmo da criança já nascida durante muitos meses (e do homem durante o sono profundo, da anestesia, da arteriosclerose avançada, da extrema senilidade, sem dizer do estado de coma).
Às vezes lançam mão de uma expressão de refinada hipocrisia para denomiar o aborto provocado; dizem que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte teriam suas dificuldades resolvidas: para que falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração” (e basta um par de minutos); já não há mais problema. Quando provoca-se o aborto ou enforca-se alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém.
E, claro, é uma hipocrisia ainda maior considerar que há diferença em que lugar do caminho se encontra a criança, a que distância em semanas ou meses dessa etapa da vida que se chama nascimento será surpreendida pela morte.
Consideremos outro aspecto da questão. Com freqüência se afirma a licitude do aborto quando se julga que provavelmente aquele que vai nascer (ou que iria nascer) seria anormal, física ou psiquicamente. Mas isso implica que o que é anormal não deve viver, já que essa condição não é provável, senão segura. E teríamos de estender a mesma norma ao que chega a ser anormal por acidente, enfermidade ou velhice. Se temos tal convicção, então temos de sustentá-la com todas as suas conseqüências. Esta situação não é nova; já foi aplicada, e com grande amplitude, na Alemanha hitlerista, há meio século, com o nome de eugenia prática.
O que me interessa é entender o que é aborto. Com incrível freqüência mascara-se sua realidade com seus fins. Quero dizer que tentam identificar o aborto com certos propósitos que pareçam valiosos, convenientes ou pelo menos aceitáveis: por exemplo, o controle populacional, o bem-estar dos pais, a situação da mãe solteira, as dificuldades econômicas, a conveniência de dispor de tempo livre, a melhoria da raça. Poder-se-ia investigar em cada caso a veracidade ou a justificação desses mesmos fins (por exemplo, foi feita uma campanha abortista em uma região da América do Sul de 144.000 quilômetros quadrados de extensão e 25.000 habitantes, isto é, despovoada). Mas o que quero mostrar é que esses fins não são o aborto.
O correto seria dizer: para isso (para conseguir isso ou aquilo) deve-se matar tais pessoas. Isto é o que se propõe, o que em tantos casos se faz em muitos países na época em que vivemos. Esta é a significação antropológica dessa palavra tão usada e abusada, que se escreve mais vezes em um só dia do que em qualquer outra época em um ano.
E mais uma prova de como se pensa o tema do aborto, eliminando arbitrariamente a condição pessoal do homem, o caráter de quem se fala, é que em muitas legislações sobre o assunto – sem irmos mais longe, a que se propõe atualmente na Espanha – se prescinde inteiramente do pai. Atribui-se a decisão exclusivamente à mãe (a palavra não parece inteiramente apropriada, seria mais adequado falar da fêmea grávida), sem que o pai tenha nada a dizer. Isto é, mesmo no caso em que o pai seja perfeitamente conhecido e legítimo, por exemplo, se se trata de uma mulher casada, é ela e somente ela é quem decide, e se sua decisão é abortar, o pai não pode fazer nada para que não matem a seu filho.
Isto, claro, não se diz assim; tende-se a não dizê-lo, a passar por alto, para que não se advirta o que significa. Em uma época em que se fala tanto da “mulher objeto” – não sei se alguma vez chegou a ser assim; suspeito que sempre a viram como “sujeito” (ou “sujeita”) –, um caminho foi aberto na mente de inúmeras pessoas a interpretação da criança-objeto, da criança-tumor, que se pode extirpar como um crescimento nojento. Trata-se de obliterar literalmente o caráter pessoal do humano. Para isso fala-se do “direito de dispor do próprio corpo”. Mas, além da criança não ser o corpo do mãe, senão que é alguém corporalmente implantado na realidade corporal de sua mãe, é que esse suposto direito não existe. A ninguém se permite a mutilação: se eu quero cortar minha mão num golpe só, os outros, e em última instância o poder público, me impedirão; sem falar no caso de querer cortar a mão de outrem, mesmo com seu consentimento. E se quero me atirar da janela ou de um terraço, a polícia e os bombeiros acudir-me-ão e pela força me impedem de realizar esse ato, do qual me pedirão explicações.
O núcleo da questão é a negação do caráter pessoal do homem. Por isso oculta-se a paternidade; por isso reduz-se a maternidade ao estado de suportar um crescimento intruso que pode ser eliminado. Descarta-se todo uso possível do quem, dos pronomes tu e eu. Tão logo apareçam, toda o castelo erguido para justificar o aborto rui como uma monstruosidade.
Por acaso não se trata precisamente disso? Não estará em curso um processo de despersonalização, isto é, de desumanização do homem e da mulher, as duas formas irredutíveis, mutuamente necessárias em que se realiza a vida humana?
Se as relações de maternidade e paternidade forem abolidas, se a relação entre os pais for reduzida a uma mera função biológica sem duração para além do ato de geração, sem nenhuma significação pessoal entre as três pessoas implicadas, que ocorre de humano em tudo isso? E se isso se impõe e se generaliza, se em fins do século XX a humanidade vive de acordo com esses princípios, não estará comprometida, quem sabe até quando, essa mesma condição humana?
Por isso me parece que a aceitação social do aborto é, sem exceção, o que de mais grave tem acontecido neste século que vai chegando ao fim.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Retornando ou, ao menos, tentando...

Depois de mais de três meses de inatividade, tentarei retornar com as publicações do blog.
De início, quero apenas recomendar dois livros que li nessas férias e que me abençoaram profundamente:

*O melhor de A. W. Tozer: coletânea de textos desse homem de Deus. Cada capítulo é impactante e formidavelmente atual. Vale a pena demais!!

*Verdadeira Espiritualidade, Francis Schaeffer: muito profundo. É de uma riqueza argumentativa impressionante. O autor dispensa comentários. Edificante para a mente e o espírito. Fortalece a fé pela razão, por mais paradoxal que seja para muitos. Prova que a vida cristã é integral e deve ser vivida integralmente. Como foi o tema do acampamento da Igreja Presbiteriana do Jardim Botânico neste carnaval de 2008: "O Evangelho todo, para o homem todo e para todos os homens".

Que Deus os abençoe e até breve, se assim a graça do Senhor permitir!